Havia na região um antigo convento em ruínas de cujas rachas na estrutura brotavam favos de mel, que escorria parede abaixo. Julgava-se que o outrora pio edifício servia agora de colónia a milhares de abelhas que ali faziam as suas colmeias, mas a verdade é que não se ouvia um zumbido que fosse.
Como a entrada do convento ruíra, prudentemente vedando o seu acesso, o facto nunca foi comprovado e, como seria de esperar, logo entre as virgens da região nasceu o estranho costume romeiro de, a cada primavera, ir-se lamber as paredes do exconvento.
Agora os factos:
Andou por lá uma menos casta, que apesar de laboriosa e cumpridora das tarefas do espírito summa cum laude, dizia nada poder contra a naturalidade de Deus. Uma injustiça!
Quão desmedido rubedo despertava nas manhãs de Maio, ao imitar o vôo éptico e desenfreado -mas nada trémulo- sobre as flores!
A crescente exaltação que deixava florescer ao perseguir o cú das abelhas, depois toda ela traduzia no mel que escorria. Que sempre escorreu, suspeitamos.
segunda-feira, 26 de outubro de 2009
HESICASMO
Quem dera que as noites voltassem a trazer palavras escuras e completamente independentes.
Agora os sonhos atormentam-me com uma luminosidade excessiva, parecida à dos talhos ou das epifanias de esquina; agora a tenebrosa ordem volta a atacar formulando clara e convexa o nome da práctica incessante da oração do coração.
Ah, suspiro, como eram doces e nada nocivas as noites que me traziam nomes tão escuros como longínquos: COELACANTO, admirável peixe-besta. Coisa perfeitamente extinta para o meu coração.
Agora os sonhos atormentam-me com uma luminosidade excessiva, parecida à dos talhos ou das epifanias de esquina; agora a tenebrosa ordem volta a atacar formulando clara e convexa o nome da práctica incessante da oração do coração.
Ah, suspiro, como eram doces e nada nocivas as noites que me traziam nomes tão escuros como longínquos: COELACANTO, admirável peixe-besta. Coisa perfeitamente extinta para o meu coração.
terça-feira, 20 de outubro de 2009
SCENA I (Berlim)
Aquelas carpideiras envoltas
na poeira branca que tudo cobre.
A poeira branca que não é poeira,
nem é branca,
mas isso que se desprende à violenta morte de cada virgem
e que tudo cobre
como uma tristeza infinda
e que só pode ser classificada de
magnânima
poeira
branca
por não termos das palavras
a justa
medida
da desolação:
isso que é chorado
sobre uma erosão.
As carpideiras chorando a virgem chorariam a montanha.
SEREIO (negro)
Somos os filhos perfeitos de Deus!
Somos os filhosperfeitos de Deus!
Somososfilhosperfeitosde Deus!
som
osfilh
osperfei
tosde
deus!
Somos os filhosperfeitos de Deus!
Somososfilhosperfeitosde Deus!
som
osfilh
osperfei
tosde
deus!
domingo, 4 de outubro de 2009
Apenas a dedicatória,
Ao Joaquim porque é já o peixe negro que desde a antecâmara da vida (o desejo) soube abrir dois minúsculos olhos que me fixam atentamente.
E que me excedem.
-Filho, digo.
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