quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Al revés

cercados, iridescemos

A construção da mesa (eucarística, claro está) acerca-se do cerco daquele comovido palácio (augusta propriedade de exílio de K., o incívil chefe de cerimónias) com a velocidade com que as flechas medievais se aproximam do seu directo destino: sem uma pestana. Uma iridescente cadência ascendente. Que galopa.
Primeiro, a estrutura servindo a gravidade; depois, o plano do tampo garantindo a perpendicularidade e com ela o mísero ensaio de uma eternidade que a podridão raia- tal como apodreceram os modelos das naturezas mortas, para lá da sua fixação a óleo; (Antes que borboleta bata as suas asquerosas asas duas vezes, já a mesa se ergueu, se põs, e se dispôs.) E nunca, durante a célere construção, qualquer coisa que possa, ainda que remotamente, guardar a lentidão síncopa do seu bailado posterior. Sim, por último nunca o olho de Deus.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

para tocar o outro lado da tua cara

Uma mudez tão inexorável quanto perfeita. A acrobática dança do desenraizamento* é um mortal no escuro de uma cabeça vegetal. E à limpa rigidez do eixo do olhar sucede uma infinda desmultiplicação prismada. Digo: é a vertigem. Depois a clareza desfeita e refeita por feixes de luz, depois o movimento imperceptível, absolutamente nulo mesmo, da respiração. Tentar o fôlego, o delírio, o mergulho arcolíríco e desfragmante, a mentira e, finalmente, o braço. Se estivesse em mim descreveria o mundo concreto em que toda esta acção se desenrolou. Há dias em que vale a pena arriscar a meticulosa descrição do desenho que o movimento de um certo braço (maciço) faz no espaço. Hoje não é um dia para explicações, hoje é um dia reservado à alegria. Em minúsculas doses, é certo. E com línguas bífidas.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

The slope - Now see to it.



Pude reparar que as inúmeras pinturas que pontuavam a sala eram de uma habilidade notável (todas proprietárias de uma laboriosa intenção de exceder o devido enquadramento) e que se tornavam mesmo no seu ponto de vida cardíaco- A casa exalando e exibindo os seus azuis. Além disso, a profusão com que brotavam as virtuosas pinturinhas dizia sem equívoco que a sua pequena autora fora, de facto, a indiscutível rainha da casa.
Em cada uma delas, uma assinatura surpreendentemente infantil de exasperada caligrafia minúscula faziam daquele o único nome. Foi como um amor irrecuperável.

O encontro com a profusa autora foi igualmente inesperado. Passo a relatar: Enquanto pilhava a divisão, caíram (de bruços mesmo) estes olhos sobre um par de óculos de massa vermelha que estavam pousados na mesa camilha. Imediatamente soube que eram os teus, que ali tinhas estado a ler. Soube, entre outras coisas, quem eras, a forma da tua cara, o teu papel naquela complicada família.

12 Janeiro 2009