sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

M'illumino d'immenso

Em Santa Maria La Longa, um anjo turvo de mim se desprendeu para escrever um único e impressionante verso. Sem pinheiros e seguinte falésia e consequente mar. Sem cadeiras ao sol, pelo mesmo abismo.
Não sei se estava fechado quando aconteceu, a luz que haveria. Se repetia os gestos que em nada se distinguem dos demais; se conheceu alguma vez, ainda que tão remotamente, o poder que tinha, assim por ter; se escolhia. Esta foi a primeira vez, e creio que veio como chega a terra firme primeiro aos olhos do marinheiro e depois, só depois, ao horizonte. Corria o ano de 1917. No mundo, um minuto.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

O vento,

Meu deus quanto tentou Daniel no deserto, entre os leões; tentou Jeremias, pelo seu prato de areia; tentou João, sobre aquele que viria; tentaram tantos, pela confusão do pó, da raiva e das despistadas abluções. Agora tentamos nós, pelas noites, a pura sedução. Só para sermos ouvidos, só para alcançar esse ouvido.
A alguém que julgo dormir conto o que não pode ser dito. Dizem que é isso rezar.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Lourdes

O parco exercício dar nome próprio às coisas, de as chamar a nós, é querer para elas um futuro estreito. É não poder amá-las a não ser que possamos estar sempre a mudá-las um bocadinho. É querer que adoptem a mesma forma, é insistir na sua angularidade. Uma e outra vez, qualquer coisa que se erga concreta, concreta.
Porém o augusto ímpeto de nomear não me parece tão descabido daqui deste leito onde, à falta de filhos e de estrutura anatómica, chamo para mim o que ciranda pelo quarto e tem, quase por diversão, o meu nome na sua garganta.
Entre os outros, fixo a vontade, chamo-lhe Lourdes e ponho-a de joelhos à espera do que virá.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Imamzadeh zeid

Cantar contra a angina de peito. The, as you would put it, terrifying dread. Eu canto, sempre cantei mas agora nos corredores laterais deste santuario, numa penumbra que nada deve ao recolhimento, apenas serve uma especie de frescura, de conforto ancestral, negam-me o canto. Faco bom uso da tal penumbra e misturo-me com os demais vultos cobertos. Eles que descubram qual das insurgentes canta o fado.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

P.

não lê, não é desses. A pertencer a algum lado pertencerá, como oiço dizer por aí, aos orgulhosos não literados. Eu pela minha parte posso, com alguma franqueza, dizer que não foi nenhuma espécie de zelo evangélico que me possuiu e me fez oferecer-lhe todos os livros dela. Todos. Cronologicamente. Foi antes uma coisa muito próxima de um amor branco, um inexorável agente homogeneizador, uma capa de neve. Talvez tenha sido só dor. Sei isso porque, para além de mim, ela soube tudo o que era preciso.
Penso que não acabou nenhum. Penso que os encetou a todos- Todos a mesma história. Penso que dá o devido valor àquela imensa inteligência (que de nós também escorre, trôpega).
Pega numa frase, uma só, e foge com ela. Essa, que é a única frase escrita sobre a terra. Clarice.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Tout ébranler pour conaître l'innebranlable.


Como aquele olho que às vezes está pintado à proa dos barcos, tudo desvendar, desocultar, descobrir, por deus, desvelar. Não: recuso esta espécie de doutrina herética do conhecimento, banqueteada de cinzas.
Dos marinheiros o medo, dos gregos o grego, de minha mãe sua língua. E basta de poder com o que não nos pertence. O mar tem os seus segredos, eu tenho os meus.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

i was made to love magic

Pois nem num nem noutro lado me verás deitar.
Chamas-me mimética, entre outros cúmulos, mas sei que admites que talvez por isso os nossos sapatos não sejam um cais de vento, lama e lodo. Diga-se: não é o amor, é uma alegria mais complicada a que nos dedicámos os dois como propósito de ano e outras mumunhas mais. Mas voltando aos sapatos, ao cais destes irredutíveis bailarinos, bem sabemos que foram eles a razão para a nossa cabeça a mais. Uma cabeça acima para cada um, por favor.