quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

V.

O segredo da ruiva não é difícil de deslindar. Padece, com violência, de uma intrincada inveja que se levanta contumaz contra quem, sem querer (que querendo é outra coisa) tece histórias; contra quem se deita e se levanta com personagens; contra quem, durante a noite, cose de uma só costura os caprichos e uma ou outra timidez recorrente; contra quem sabe atravessar os dias pelas duas pontas, e se compraz tecendo solidamente uma coisa que nunca será. Que inveja bruta e cavalar tem a ruiva aos ficcionários. Os fazedores, que tal como ela dizem coisas. Só que lhes basta um sopro:

Estou cheia de pontos finais, continuou. Tresando a tiradas triunfais de segunda apanha, tenho o espírito embuído, possuído por um zelo quase evangélico, que se dedica com fervor ao lançamento de pedras lapidares para cima de cada frase. Ó cambada de pausas proféticas, huí de mim que nada quer de vós (excepto talvez o descanso numa ou noutra glória inatacável). Pareço-me muito com uma ilha de aproximação impossível. A tudo pondo sucessivos fins. Amores, descobertas, espantos, informações, diligências, amén. Só as histórias escapam. E isso porque me entretêm. Até esta pequena déspota contrariada tem os seus momentos de descontracção. Ou deverei dizer distracção?

1 comentário:

Anónimo disse...

"Tecer solidamente uma coisa que nunca [se] será": é isso, é isso, é isso. Três vezes.