terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Máquinas de guardar o sangue

Oh!, exclamou a Senhora HC do alto da sua juventude repescada- estou a perder a mão!
A partir desse dia abandonou de uma vez o jardim. Não o descurou, não se foi
desligando gradualmente daquelas que foram as rechonchudas peónias da sua vida. Não. Isso teria sido simplesmente uma des-graça. Pelo contrário, a nossa soberana senhora-ametista soube pegar nas suas malas até à lucidez que lhe restava. Pensou: Preciso de guardar o sangue. Então deixou que o jardim se transformasse para ela, que a suplantasse, que lhe entrasse em casa. Primeiro pelas frinchas, depois pelas portadas até que, galgando a principal escadaria, o jardim mesmo ganhasse a casa; deixou que ele se tornasse, de uma lenta mas inatacável vez.
E porque a ascese vinha, desde os seus sessentas, a revelar-se como a única
virtude capaz de verdadeiramente lhe salvar a pele, a senhora H.Clément dedicou-se com uma fúria diária que eu prefiro chamar de bravura, ao desenho esquemático das poças de água. Machines à garder le sang, como ela lhes chamava.
Sangue, chuva. É dizer o mesmo.

2 comentários:

Anónimo disse...

É fodido chegar aqui e ler um futuro possível, a meio da digestão.

m disse...

Olha que é um bravo futuro. Lembro-me de assim o ter pensado quando ele me apareceu -brilhante- no ar.
É uma coisa dura insistir numa ascese (ainda que desejada). Comer carne de caça também não é pêra doce- é preciso estômago.