Só existem duas construções -e porque não me vou dar ao trabalho inglório de distinguir uma da outra, limito-me a enunciá-las- válidas na arte: a poesia e a escultura.
A pintura, por exemplo, é o maior embuste a que o homem se dedica, século após século, camada após camada. Empanturrado que está com esse apuramento, essas camadas supostamente de mistério que, na vez de abrir, fecham, estreitam o cerco. A velatura, e digo-o de uma vez por todas antes que os incontáveis exemplos da história da arte desatem a paralisar-me, é a maior anedota da pintura, que não sossegará nunca numa forma enquanto não asfixiar o desenho, a coluna vertebral do desenho.
E tão alto que ele era, usando à cabeça, orgulhoso, a jóia de uma coisa chamada potência, anunciando tantos caminhos mesmo sendo uma coisa fechada em si, como um circuito de poderes. O desenho. Um talismã com fendas.
E ainda assim a pintura com o seu único (e comparativamente pequeno) esgar enigmático, subsiste. Muito mais do que isso: habituou-se, como se habitua uma puta velha ao longo de uma vida pontuada por maleitas, a ficar por cima. Assim nasceu o "esboço".
Pintamos porque a vida não basta, disse alguém. A vida sim basta, é quase excessiva a vida e ainda assim pintamos. E amamos.
(A cor não é para aqui chamada. A cor é uma outra coisa, sagrada. Capaz de erguer, já desde o tempo das suaves raparigas.)
quinta-feira, 18 de dezembro de 2008
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3 comentários:
Venho do fim-de-semana na Serra mais alta de Portugal, chego aqui e leio isto. Rubor.
Rubor da Serra, tamanha cor.
Calligramme: calli-beau; gramme-écriture
Guillaume Apollinaire, atrevers le calligramme, veut transmettre un pas décisif vers la synthèse des arts, de la musique, de la peinture, de la sculpture et de la littérature.
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