quinta-feira, 28 de abril de 2011

Yasaí++

Curumim, O curumim
Porque cantas tão bem?
-Passo as tardes a chamar pelos meus irmãos
As noites, pelas minhas mães


Yasaí: do tupi-guarani quer dizer "fruta que chora".
Toda matéria prima para ser beneficiada precisa "chorar",
ou seja, cair das árvores para ser utilizada.

Pousai, peço, a atenção no índio, no índio que ao ritmo inalou e exalou esta explicação, dulcíssima orquestração no tear da pausa; no índio índico, índio indício claro, claro como um advento.


Curumim O curumim
Porque cantas tão bem?
-Assobiando o coração nunca se arrasta,
diz a mãe.

Curumim, O curumim,
Porque cantas tão bem?
-O assobio sopra o sopro,
pá.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Tradução da loucura em vésperas pascais

Mensagem 0890:
<< Um tiro de ferro foi visto a sair de um carro branco inconformado. >>
Estamos feitos, pensei, mas temos tempo
o nosso é um cadillac torrado.


Mas matar um homem dá direito a uma só coroa: a eternidade da sua cabeceira.
E de tanto me esvaíres, meu morto, te tornaste meu
pai, meu esposo, meu
filho.
A tua morte chega diariamente,
diariamente renovando o
susto, a tua hora
com cada dia chega a tua hora
.

Depois com a noite

cada passo meu é uma ruína
convocando
a inumerável horda de bárbaros
que a crosta terrestre aparca:
Romanos!
Cabeleiras loiras!
Anjos nocturnos!
Todos se levantam para a minha tortura.

Já não penso em Vós, Senhor. Já não penso em Vós.



Benedita Escala

segunda-feira, 18 de abril de 2011

A EDIFICAÇÃO DA JANGADA DEPOIS DE JOSÉ LEZAMA LIMA CRESCER NO MAR

COMO AQUELE PÁSSARO PERSA, A JANGADA JORRA A PROA
NAS QUATRO DIRECÇÕES CARDEAIS
GOLPEADA POR UM GROTESCO EOLO
INEXAURÍVEL DERROTA -É A VITÓRIA?-
QUER DOBRAR A QUINA À CURVA

A PROA FABRICA UM ABISMO PARA
QUE O GRANDE VENTO LHE MORDA OS OSSOS
E CRESCEM OS OSSOS ABISMADOS
COM AS AREIAS QUENTES AS PEDRAS DO CORPO
DURANTE O SONO CRESCEM
E CRESCEM OS TOMATES COM O RELÓGIO CENTRAL

CRESCE NO AMOLE-CIMENTO A MADEIRA

El alción, el paje y el barco mastican su concéntrico.

GIRA A EMBARCAÇÃO EM DIRECÇÃO
A UM CENTRO DE SEDA
COM AS SUAS VELAS PRESUNÇOSAS
ATÉ SE ANCORAR NUM CÍRCULO
AZUL INALTERÁVEL
DE BORDAS AMARELAS
ATÉ SE ANCORAR NA QUADRICULADA LENTE
DE UM PRISMÁTICO

segunda-feira, 11 de abril de 2011

O Livro


Cascavel, ó cascavel
Porque tens os dentes tão brancos?
Passei a vida na selva deitada,
E tudo o que fiz foi morder


Magnífico objecto verde
Magníficas verdes polpas,
ao amor táctil magnificadas
Magnífico orgão verde,
agênsica língua.

E verde ainda o infinito
ésse:
Muskarat, O Muskarat

sábado, 9 de abril de 2011




Eu disse a história que imediatamente nos antecede é
a mais difícil de entender e tu disseste o distanciamento
é o que realmente conta para uma vida religiosa.




segunda-feira, 4 de abril de 2011

PAQUE À NEW YORK

Seigneur, la foule des pauvres pour qui vous fîtes
le Sacrifice
Est ici, parquée, tassée, comme du bétail, dans les hospices.

Desemboco intacta na coroa

desta corrida:
A cidade está cheia de
corredores mas por
todo o lado o desejo
de pontes e riachos
e aquela escala tão infantil,
abrem fendas nos meus sonhos,
confundem-me.
Mesmo a nova
ior
quer-se
bucólica. Sei-o quando no meu sonho
vejo toda a perfeição rural
continuamente -mas intacta-
perpassada pela turba de gente
empurrando.

Tudo isto para desaguar na cátedra
onde cada coluna inscreve a bronze
seus atributos e convoca
os respectivos discípulos
que alardem os louvores gravados
contra a frágil existência
do poema.
É a super-estrutura do engano, penso.
E logo depois acordo para uma
sala de convenções
e um corpo nu, disponível.
És tu, Eurídice,
ou sou eu?

Mas como despertar para a
oração matinal?
Em Nova Iorque não há sinos.



Benedita Escala