segunda-feira, 26 de outubro de 2009

O cú das abelhas

Havia na região um antigo convento em ruínas de cujas rachas na estrutura brotavam favos de mel, que escorria parede abaixo. Julgava-se que o outrora pio edifício servia agora de colónia a milhares de abelhas que ali faziam as suas colmeias, mas a verdade é que não se ouvia um zumbido que fosse.
Como a entrada do convento ruíra, prudentemente vedando o seu acesso, o facto nunca foi comprovado e, como seria de esperar, logo entre as virgens da região nasceu o estranho costume romeiro de, a cada primavera, ir-se lamber as paredes do exconvento.

Agora os factos:

Andou por lá uma menos casta, que apesar de laboriosa e cumpridora das tarefas do espírito summa cum laude, dizia nada poder contra a
naturalidade de Deus. Uma injustiça!
Quão desmedido rubedo despertava nas manhãs de Maio, ao imitar o vôo éptico e desenfreado -mas nada trémulo- sobre as flores!
A crescente exaltação que deixava florescer ao perseguir o cú das abelhas, depois toda ela traduzia no mel que escorria. Que sempre escorreu, suspeitamos.

HESICASMO

Quem dera que as noites voltassem a trazer palavras escuras e completamente independentes.
Agora os sonhos atormentam-me com uma luminosidade excessiva, parecida à dos talhos ou das epifanias de esquina; agora a tenebrosa ordem volta a atacar formulando clara e convexa o nome da práctica incessante da oração do coração.
Ah, suspiro, como eram doces e nada nocivas as noites que me traziam nomes tão escuros como longínquos: COELACANTO, admirável peixe-besta. Coisa perfeitamente extinta para o meu coração.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

SCENA I (Berlim)



Aquelas carpideiras envoltas
na poeira branca que tudo cobre.
A poeira branca que não é poeira,
nem é branca,
mas isso que se desprende à violenta morte de cada virgem
e que tudo cobre
como uma tristeza infinda
e que só pode ser classificada de
magnânima
poeira
branca
por não termos das palavras
a justa
medida
da desolação:

isso que é chorado
sobre uma erosão.

As carpideiras chorando a virgem chorariam a montanha.

SEREIO (negro)

Somos os filhos perfeitos de Deus!
Somos os filhosperfeitos de Deus!
Somososfilhosperfeitosde Deus!
som

osfilh
osperfei
tosde
deus!

domingo, 4 de outubro de 2009

Apenas a dedicatória,


Ao Joaquim porque é já o peixe negro que desde a antecâmara da vida (o desejo) soube abrir dois minúsculos olhos que me fixam atentamente.

E que me excedem.

-Filho, digo.